Publicado em 27.01.2020 - Categoria: Esporte, Fisioterapia, Novidades

Entorse de Tornozelo

Do Tratamento à Prevenção – Atualizações Científicas

Sem tratamento e reabilitação adequados, um tornozelo lesionado pode não se curar bem e se expõe a perda de amplitude de movimento e estabilidade, o que pode resultar em entorses recorrentes, mais tempo de inatividade no futuro e predisposições a outras lesões ortopédicas.

Entorse de tornozelo é uma das lesões musculoesqueléticas mais comuns em pessoas de todas as idades, sedentários e principalmente em atletas (amadores ou profissionais). A lesão ocorre quando um ou mais ligamentos do tornozelo são esticados ou rasgados, causando dor, inchaço e dificuldade para caminhar. Muitas pessoas tentam ignorar as lesões de tornozelo e não procuram atendimento de um profissional de saúde, mas isso é um erro grave, ainda mais levando em consideração que os pés são a base de suporte do corpo e que muitas lesões são decorrentes de alterações funcionais dos pés e tornozelos. (leia mais no link http://viniciuscastrocampos.com.br/cuide-bem-do-seu-pe/)

Inclusive, a falta de tratamento adequado de uma entorse de tornozelo pode levar ao desenvolvimento de Instabilidade Crônica de Tornozelo (ICT). Esta pode ser definida como queixas persistentes de dor, inchaço e / ou “viradas” de tornozelos em combinação com entorses recorrentes por pelo menos 12 meses após a entorse inicial do tornozelo, o que por sua vez pode levar ao absentismo (a longo prazo) de esportes (VUURBERG, et al. 2018).

Nível de Evidência      

As evidências científicas citadas ao longo deste texto foram ordenadas e organizadas baseadas no nível de acordo com os critérios adaptados do Centro de Medicina baseada em evidencias, Oxford, United Kingdom de diagnóstico, prospetiva estudos terapêuticos (PHILLIPS, et al 2009).

Anatomia de uma Entorse Lateral de Tornozelo (ELT)

O tipo mais comum de entorse de tornozelo é uma lesão por inversão ou entorse lateral. O pé rola para dentro, danificando o complexo ligamentar externo do tornozelo (anatomia: ligamento talofibular anterior, ligamento calcaneofibular e o ligamento talofibular posterior); veja a ilustração.

Um detalhe importante da entorse de tornozelo é que ela é classificada em graus, a gravidade da entorse varia de acordo com o comprometimento das estruturas presentes na região afetada e pode ser dividida didaticamente em três níveis. E cada grau envolve distintas estruturas lesionadas, além de tempo de retorno a prática esportiva diferentes.Graus de severidade de entorse de tornozelo

Severidade Dano Ligamentar Sintomas Tempo de Recuperação
Grau 1 Estiramento leve sem rupturas Dor leve, inchaço e sensibilidade. Geralmente sem hematomas. Sem instabilidade articular. Não há dificuldade em suportar peso. 1–3 semanas
Grau 2 Lesões Parciais Dor moderada, inchaço e sensibilidade. Possível hematoma. Instabilidade articular leve a moderada. Alguma perda de amplitude de movimento e função. Dor com apoio de peso e caminhada. 3–6 semanas
Grau 3 Ruptura total Dor intensa, inchaço, sensibilidade e hematomas. Instabilidade considerável e perda de função e amplitude de movimento. Incapaz de suportar peso ou andar. Possível fratura pode estar associada. Vários Meses

 

Fonte: Adaptado de Maughan KL, “Ankle Sprain,” UpToDate, version 14.3, and Ivins D, “Acute Ankle Sprain: An Update,” American Family Physician (Nov. 15, 2006), Vol. 74, No. 10, pp. 1714–20.

 

Entorse de Tornozelo no Basquete

Em um estudo de Drakos, et al. que acompanhou por 17 anos a NBA demonstrou que a entorse de tornozelo é uma das lesões mais acometidas em atletas de Basquete, aproximadamente 13,2% das lesões são Entorses Laterais de Tornozelo.

 

Fatores de Risco

Fatores predisponentes são os que aumentam o risco de sustentar um ELT. Esses fatores de risco podem ser classificados como intrínsecos (fatores relacionados ao atleta, por exemplo: força, propriocepção) ou extrínsecos (por exemplo: calçados, esportes, características ambientais). Um aspecto importante que deve ser considerado pelos profissionais ao abordar os fatores predisponentes é se eles podem ser modificados ou não. Fatores de risco modificáveis ​​podem ser direcionados pelo tratamento e pelo trabalho preventivo (VUURBERG, et al. 2018).

Fatores Intrínsecos

Fatores de risco intrínsecos aumentam substancialmente o risco de sustentar uma ELT. Isso inclui Amplitude de Movimento (ADM) de dorsiflexão limitada, redução da propriocepção e deficiências no controle/equilíbrio postural (Evidência nível 1) (VUURBERG, et al. 2018).

Em um artigo de 2020, os autores Khalaj, Vicenzino e Heales demonstraram que indivíduos com Instabilidade Crônica de Tornozelo (ICT) apresentam déficits de força da musculatura inversora e eversora do tornozelo. Os dados também apontam diferenças entre indivíduos com ICT e grupo controle na força do quadril e joelho. Por isso, a importância de uma boa avaliação Funcional abordando a cadeia cinética e não somente especificamente uma articulação nos atletas.

Fonte: internet

Além disso, atletas que possuem histórico de lesão de tornozelo devem sempre acrescentarem em sua rotina de aquecimento ou treino trabalhos de prevenção de entorse de tornozelo, já que esses possuem uma chance 5x maior de terem uma re-lesão quando comparados com àqueles que nunca tiveram uma entorse de tornozelo (MCKAY, et al. 2001).

Extrínsecos

Quase metade (45,0%) das lesões no tornozelo ocorrem durante a aterrissagem, sendo que metade dessas lesões decorre da aterrissagem no pé de outro jogador, e a metade ocorreu devido à aterrissagem na superfície da quadra. Outros mecanismos de lesão no tornozelo foram movimento de pivô acentuado (30,0%), colisão (10%), queda (5,0%), outros (5,0%), frenagem súbita (2,5%) e tropeço (2,5%) (MCKAY, et al. 2001). Essa informação se faz importante, já que erros de movimentos podem ocasionar uma suscetibilidade de um desses movimentos acontecerem. Logo, o treino deve envolver um trabalho envolvendo esses movimentos.

Um fator importante em relação a escolha do tênis para treinar e jogar, aqueles que apresentam “bolhas de ar” no calcanhar apesar de serem extremamente confortáveis e macios, proporcionam um aumento de até 4.3 vezes em torcer o tornozelo (MCKAY, et al. 2001).

Tratamento     

Crioterapia

Não há indicações de que o uso isolado de gelo possa melhorar a função, bem como diminuir o inchaço e a dor em repouso entre indivíduos que sofreram um ELT agudo (Evidência nível 2). Em combinação com a tratamento por exercício, a crioterapia tem um efeito maior na redução do inchaço em comparação com a aplicação de calor (Evidência nível 2). A combinação de crioterapia e exercício resulta em melhorias significativas na função do tornozelo a curto prazo, permitindo que os pacientes aumentem a carga durante o apoio de peso em comparação com o tratamento funcional padrão (Evidência nível 3) (VUURBERG, et al. 2018).

Imobilização/ Estabilizador Funcional

O uso do suporte funcional por 4-6 semanas é preferível à imobilização. O uso de um brace de tornozelo mostra melhores efeitos em comparação com outros tipos de tornozeleiras (Evidência nível 2).

Porém, o tratamento de entorse de tornozelo tem melhor eficácia ao associar o uso de suporte funcional e exercícios terapêuticos em comparação à imobilização. Caso a imobilização se faca necessária devido o controle da dor e edema, deve ser por no máximo 10 dias, após esse período o tratamento funcional deve ser iniciado (Evidência nível 2) (VUURBERG, et al. 2018).

Suporte funcional é como tape ou brace, preservando o movimento articular, mas limitando posições extremas da articulação, como inversão máxima.

Um ponto importante evidenciado pelo estudo de Vuurberg, et al. foi que braces com cadarços ou semi-rígidos devem ser preferidos ao uso de bandagem elástica (Evidência nível 1). O uso de braces de tornozelo resulta em melhor resultado em comparação com outros tipos de tratamento funcional, como tapes (fita não elástica) ou kinesiotape (fita elástica), sem mostrar efeitos colaterais. Com base em uma pequena revisão sistemática, pode-se concluir que é improvável que o kinesiotape forneça suporte mecânico suficiente nos tornozelos instáveis (Evidência nível 1) (VUURBERG, et al. 2018).

Antiinflamatórios

Os antiinflamatórios não esteroides (AINEs), como o ibuprofeno, naproxeno ou diclofenaco, podem ser usados ​​por pacientes que sofreram um ELT agudo, sob supervisão médica, com o objetivo principal de reduzir a dor e o inchaço. No entanto, deve-se tomar cuidado com o uso de AINEs a longo prazo, pois podem suprimir ou atrasar o processo natural de cicatrização (VUURBERG, et al. 2018).

Consulte um médico para melhor orienta-lo quanto ao uso de medicamentos.

Exercícios

Entre os pacientes que procuram assistência profissional após uma ELT agudo, o tratamento com exercícios é frequentemente um componente integrante da terapia administrada. Os programas de tratamento por exercício consistem principalmente em exercícios neuromusculares e proprioceptivos.

Diferentemente do treinamento de força convencional, o exercício neuromuscular aborda a qualidade do movimento e enfatiza o controle articular consciente e inconsciente nos três planos de movimento. Os objetivos do treinamento neuromuscular são melhorar a capacidade do sistema nervoso de gerar um padrão de disparo muscular rápido e ideal, aumentar a estabilidade dinâmica das articulações, diminuir as forças articulares e reaprender os padrões corretos de movimento (AGEBERG, LINK e ROOS, 2010).

Já os exercícios proprioceptivos, normalmente, são realizados em superficies instáveis com intuito de melhorar a capacidade de percepção da parte do corpo no espaço.

Ambos podem reduzir a prevalência de lesões recorrentes bem como a prevalência de instabilidade funcional do tornozelo. Além disso, eles estão associados a um tempo mais rápido de recuperação e a melhores resultados pós entorse (Evidência nível 1) (VUURBERG, et al. 2018).

Mobilização Articular Manual

A mobilização articular manual pode proporcionar um aumento a curto prazo da ADM de dorsiflexão da articulação do tornozelo após ELT aguda (Evidência nível 1). Além de um efeito interessante na redução da dor (Evidência nível 1). (VUURBERG, et al. 2018).

Mais uma vez, mostrando a importância da terapia manual no tratamento da ELT, quando combinado a exercícios terapêuticos resulta-se em melhores resultados em comparação com tratamento somente composto por exercícios (Evidência nível 3). (VUURBERG, et al. 2018).

Cirurgia

Apesar dos bons resultados clínicos da cirurgia após lesões crônicas e ruptura ligamentar completa, o tratamento funcional ainda é o método preferido, ja que os resultados deste tipo de intervenção são eficazes, além de nem todos os pacientes necessitam de tratamento cirúrgico. Isso também ajuda a evitar a exposição desnecessária ao tratamento invasivo e o risco desnecessário de complicações pós-cirúrgicas (Evidência nível 1). No entanto, as decisões de tratamento devem ser tomadas individualmente e com acompanhamento de um profissional de Saúde capacitado. Em atletas profissionais, o tratamento cirúrgico pode ser preferido para garantir um retorno mais rápido ao jogo (VUURBERG, et al. 2018).

Em resumo, o tratamento funcional é clinicamente a estratégia de tratamento de escolha para entorse de tornozelo. Em relação aos custos indiretos, uma abordagem funcional (3-5 dias de descanso, gelo, compressão e elevação com sustentação precoce do peso, após o qual o exercício ativo é iniciado) leva ao retorno às atividades de maneira mais rápida em comparação com qualquer outro tipo de tratamento (Evidência nível 3). Para proteção, o brace de tornozelo com cadarço pode ser indicado para facilitar o retorno ao esporte.

Recomendações por Modalidades de Tratamento para Entorse Lateral de Tornozelo (ELT)
Modalidade Recomendação Nível de Evidencia
Crioterapia Uso somente de gelo não é recomendado. 2
NSAIDs NSAIDs pode ser usado para redução da dor e edema na fase aguda, mas não por muito tempo. 2
Imobilização Deve ser evitada. 2
Suporte Funcional Deve ser preferido à imobilização, principalmente através do uso de brace de cadarço. 2
Para prevenção, tape e brace são indicados. A escolha da modalidade deve sempre ser baseada nas preferências do atleta. 1
Exercício Tratamento com exercícios deve ser iniciada o mais rápido possível para recuperar a funcionalidade articular. 1
Para entorses recorrentes de tornozelo, o exercício deve ser incluído em atividades regulares de treinamento, tanto quanto possível. 1
Mobilização Articular Manual Indicada para melhora a curto prazo da ADM e dor no tornozelo após ELT aguda. 3
Cirurgia A cirurgia é recomendada apenas para pacientes que necessitam de recuperação rápida, como atletas profissionais, ou cujas queixas não são resolvidas por tratamento conservador para evitar tratamento invasivo desnecessário. 1

Fonte: adaptado de Vuurberg, Gwendolyn et al. Diagnosis, treatment and prevention of ankle sprains: update of an evidence-based clinical guideline. Br J Sports Med, v. 52, n. 15, p. 956-956, 2018

Retorno ao Esporte

Além dos muitos tipos novos e variados de programas de reabilitação, os resultados recentes  (VUURBERG, et al. 2018) mostram que o exercício supervisionado fornece melhores resultados em comparação com o treinamento não supervisionado. Exercícios supervisionados com foco em uma variedade de exercícios como propriocepção, força, coordenação e função levarão a um retorno mais rápido ao esporte em pacientes após um ELT e, portanto, são recomendados (Evidência nível 1) (VUURBERG, et al. 2018).

Medidas Preventivas

O fato que a entorse de tornozelo è a lesão com maior incidência no basquete (DRAKOS, et al 2017) torna o trabalho preventivo de extrema importância para atletas amadores e profissionais com intuito de diminuir as chances de se lesionar.

Tape ou Brace

Assim como o tape (“botinha de tornozelo”), o brace têm um papel na prevenção de ELT recorrente, apesar da evidência limitada de mecanismos que levam a esses efeitos benéficos (Evidência nível 1). Desse modo, a escolha do uso (tape ou brace) depende de preferências pessoais de cada paciente ou atleta (VUURBERG, et al. 2018).

Exercícios

NO estudo de revisão de Vuurberg, et al (2008) demonstrou-se que o treinamento de coordenação e equilíbrio evita entorses recorrentes de tornozelo. A avaliação do efeito de exercícios preventivos como no treinamento neuromuscular e propriocepção mostrou um efeito positivo na prevenção da ELT e, em especial, da ELT recorrente (VUURBERG, et al. 2018).

Exercícios preventivos devem ser incluídos nas atividades de treinamento regulares dos atletas, tanto quanto possível (Evidência nível 1) (VUURBERG, et al. 2018).

Referências Científicas:
  1. VUURBERG, Gwendolyn et al. Diagnosis, treatment and prevention of ankle sprains: update of an evidence-based clinical guideline. Br J Sports Med, v. 52, n. 15, p. 956-956, 2018.
  2. Maughan KL, “Ankle Sprain,” UpToDate, version 14.3, and Ivins D, “Acute Ankle Sprain: An Update,” American Family Physician(Nov. 15, 2006), Vol. 74, No. 10, pp. 1714–20.
  3. Phillips B, Ball C, Sackett D, et al. Oxford Centre for Evidence-based Medi- cine – Levels of Evidence (March 2009). Available at: http://www.cebm. net/index.aspx?o=1025. Accessed August 4, 2009.
  4. Drakos, Mark C. et al. “Injury in the National Basketball Association: A 17-Year Overview.” Sports Health4 (2010): 284–290. PMC. Web. 9 Oct. 2017.
  5. MCKAY, Graylene Dawn et al. Lesões no tornozelo no basquete: taxa de lesões e fatores de risco. Revista britânica de medicina esportiva, v. 35, n. 2, p. 103-108, 2001.
  6. Khalaj N, Vicenzino B, Heales LJ, et alIs chronic ankle instability associated with impaired muscle strength? Ankle, knee and hip muscle strength in individuals with chronic ankle instability: a systematic review with meta-analysisBritish Journal of Sports Medicine Published Online First: 14 January 2020.
  7. AGEBERG, Eva; Link, Anne; Roos, Ewa M. Feasibility of neuromuscular training in patients with severe hip or knee OA: the individualized goal-based NEMEX-TJR training program. BMC musculoskeletal disorders, v. 11, n. 1, p. 126, 2010.

 

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